Viver, pensar e falar: as etapas de elaboração do discurso

Viver, pensar e falar: as etapas de elaboração do discurso

Prof. Ivan Capdeville JuniorProfessor da Escola do Legislativo da Assembleia de Minas

Estudar a elaboração de discursos requer uma reflexão mais profunda que apenas saber “quais palavras usar”. Como o discurso serve para a criação de realidades no mundo, etapas anteriores ao momento da fala constituem matéria da reflexão sobre como elaborar discursos.


Os clássicos enxergam a composição do discurso como um produto de etapas constitutivas dos chamados “cânones da Retórica”:

INVENTIO: ter ideias para falar e encontrar argumentos para sustentá-las
DISPOSITIO: colocar as partes do discurso numa ordem eficaz
ELOCUTIO: burilar o estilo
MEMORIA: memorizar o texto
PRONUNTIATIO: apresentar o discurso

Assim, a elaboração do discurso começa muito antes do momento de proferi-lo. Mesmo em um discurso de improviso, todas as vivências até o instante da fala, de alguma forma, a influenciam. Todas as vivências, sentimentos, percepções, influências recebidas, leituras realizadas, reflexões desenvolvidas e repertório emocional do orador criam, moldam ou determinam sua maneira de ver o mundo e, portanto, a forma, bem como o conteúdo, do que diz.
Simplificando o processo:


VIVER → PENSAR → FALAR

VIVER: perceber, sentir, experimentar. Etapa estreitamente vinculada à EMOÇÃO
PENSAR: processar, refletir, raciocinar, classificar. Etapa estreitamente vinculada à RAZÃO
FALAR: dizer, contar, apresentar, expressar, comunicar. Etapa vinculada à ENUNCIAÇÃO

O esquema reforça uma das recomendações mais recorrentes nos manuais de Retórica, da antiguidade à contemporaneidade: para FALAR de modo consistente, é preciso PENSAR bastante, sobre o próprio VIVER. Proferir bons discursos exige embasamento sobre assuntos decorrentes de vivências. FALAR resulta de um processo de reflexões sobre experiências.


Curiosamente, algumas pessoas não julgam suas experiências interessantes ou especiais. Ao considerarem a própria vida natural e rotineira, não percebem o quanto há nela de vivências ricas, únicas e diferenciadas, muitas vezes os pontos de maior interesse para os ouvintes.

Embora apresentado de forma linear, o processo ocorre de modo cíclico, pois não apenas o FALAR decorre do PENSAR, quanto o PENSAR depende de percepções obtidas no VIVER e, ainda, o VIVER inclui o FALAR, não havendo fronteiras rígidas entre as etapas. Portanto, a melhor representação gráfica se forma com um círculo, no qual as etapas se sucedem e interpenetram.


As áreas de interseção entre as etapas evidenciam a necessidade de o orador aprimorar algumas virtudes, como a temperança, para evitar o arrependimento por proferir discursos inoportunos ou improdutivos, decorrentes do falar sem pensar; a autoconfiança, para valorizar as próprias percepções, em vez de seguir doutrinas estabelecidas por outrem, típico do pensar sem viver; e a coragem, para assumir a palavra nas ocasiões e no tempo adequado, impossível no viver sem falar.


Nesse sentido, FALAR sobre o próprio PENSAR demonstra a capacidade crítica do sujeito e a coragem de assumir crenças e valores, ainda mais quando as reflexões se fundamentam no próprio VIVER. FALAR sobre o PENSAR de outrem pode ser necessário durante a juventude, na formação acadêmica ou no início de novas atividades, quando ainda se carece do VIVER. Nesse caso, gera a boa impressão de um orador com referências consistentes, cuja respeitabilidade advém de argumentos de autoridade.


Já FALAR sem PENSAR gera a impressão de um orador superficial, leviano ou inconsistente. Por isso, às vezes convém recusar convites para falar de assuntos fora de domínio ou sugerir adaptações nos temas propostos. Por outro lado, se o orador FALAR respeitando o seu VIVER, colore o discurso com vivências concretas e pode enriquecê-lo com um PENSAR capaz de propiciar lições de vida aos ouvintes.

Normalmente, as pessoas se encantam ao ouvir alguém capaz de viver desafios, raciocinar com inteligência e compartilhar emoções.

Prof. Ivan Capdeville JuniorProfessor da Escola do Legislativo da Assembleia de Minas

Juliana Fidêncio

juliana@ceger.com.br

Postado: 26/05/2021

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